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segunda-feira, 24 de outubro de 2016

Keynes: O Lado Especulador do Grande Economista




Este artigo escrito pelo economista Paulo Gala foi publicado em 2010 no jornal Valor Econômico e complementa o artigo anterior.

Valor, Paulo Gala

Além de ter sido o economista mais importante do século XX, John Maynard Keynes fez uma pequena fortuna no mercado acionário, numa de suas facetas pouco conhecidas por analistas e estudiosos do tema. Em 1946, cinco meses depois de sua morte, os números de seu patrimônio vieram a público: 480 mil pounds da época ou o equivalente a US$ 30 milhões em valores de hoje. Ainda que grande parte de sua vida tenha sido dedicada às artes, ao conhecimento e ao serviço público, sobrou tempo para fazer fortuna no mercado financeiro. Keynes não recebeu herança, pois morreu antes de seus pais.

Maynard, como era conhecido pelos amigos, começa sua carreira de especulador fazendo trading de moedas nos anos 20. Seguindo as ideias do seu primeiro best-seller, "As Consequências Econômicas da Paz", começa a apostar nos movimentos das moedas europeias logo após o término da Primeira Guerra. Ganha muito dinheiro, inicialmente mantendo posições compradas em dólares e vendidas nas moedas dos países continentais europeus. Depois do sucesso inicial, sofre um revés no mercado de moedas, perdendo praticamente tudo no fim de 1920. Mas não desiste. Toma empréstimos, se alavanca, liquida sua posição de ações para voltar a investir em moedas e finalmente é recompensado. Em 1922 tinha já recuperado tudo que foi perdido e seu patrimônio estava na casa de 21 mil pounds (US$ 1,5 milhão em valor atual).

Com a volta do padrão-ouro e o câmbio fixo na Inglaterra em 1925, o trade de moedas deixa de ser relevante e Keynes muda seu foco para commodities e ações em Wall Street e na City. Ganha muito dinheiro até 1928, quando o mercado começa a virar. Suas posições em borracha, milho, algodão sofrem perdas enormes, obrigando-o a liquidar grande parte do seu portfólio de ações em Wall Street. Quando finalmente vem o choque de 1929, as poucas ações que lhe restavam viram pó. Seu patrimônio, na época, sofre um revés de 80%, caindo de 44 mil pounds em 1928 para 8 mil pounds dois anos depois. Pela segunda vez na vida, Keynes estava à beira do precipício financeiro.

A partir dos anos 30, entretanto, Keynes abandona seu método de "momentum investing" ou "anticipatory trading", no qual se tenta bater o mercado antecipando tendências. Passa a se desiludir com esse "approach top-down" ou de "credit-cycle investing", como chamava. Para ganhar dinheiro com tal estratégia, o investidor deve ser capaz de entrar e sair na hora certa do movimento de manada. Mas o que ocorre na maioria dos casos é uma entrada tarde demais ou ainda uma saída atrasada. Além dos custos incorridos na operação, o timing correto de entrada e saída no curto prazo é praticamente impossível de prever, segundo Keynes. Ou como diz Justyn Walsh na sua breve biografia de Keynes: "Investidores de 'momentum' operam numa espécie de mundo de 'Alice no País das Maravilhas', num jogo de espelhos onde todos tentam acertar qual será a opinião de todos acerca do preço das ações".

Keynes transforma-se, então, num investidor fundamentalista, com foco em ações particulares (em vez de índices), baseando-se nas próprias análises sobre o futuro de companhias específicas e não em retornos passados ou julgamentos de mercado. Com essa mudança de estratégia consegue rapidamente recuperar seu patrimônio a partir de barganhas encontradas no pós-crash. Saindo dos 8 mil pounds que haviam lhe restado em 1929 (sem contar a triste memória da venda de seu Matisse preferido na época da crise), multiplica seu patrimônio para a impressionante quantia de 500 mil pounds quando a "Teoria Geral" é publicada, em 1936.

A mudança de posição, segundo o próprio Keynes, significava agora não mais especular "a atividade de prever a psicologia do mercado" para se dedicar a investir de verdade, que significa "projetar os retornos esperados de um dado ativo durante seu tempo de vida". Em seus termos, o verdadeiro investidor está preocupado com "valores finais" e não "valores de troca" das companhias.

Em sua nova postura de investidor "que vai contra o mercado" e de "escolha de ativos", algumas regras se destacam. Sua postura básica torna-se "comprar e segurar". Concentra-se em buscar poucas ações cujo valor de mercado oferece grande distorção em relação ao valor intrínseco estimado. Quanto maior esse gap ou "buffer", maior a margem de segurança para investir na companhia. O truque aqui é esperar (muito tempo às vezes) o mercado voltar a ser capaz de precificar adequadamente um ativo que por algum motivo está mal precificado. Para Keynes, o mercado oscila entre momentos de lucidez e fases de pânico, depressão ou euforia, e cabe ao investidor sábio tirar proveito disso, mantendo uma perspectiva de longo prazo.

Um portfólio concentrado oferece também grande vantagem, segundo Keynes. A diluição é a medida de nossa ignorância. Então, quanto menos sabemos sobre os ativos, mais diversificamos. A melhor estratégia de investimento é conhecer bem poucos ativos e carregar grandes quantidades em carteira. Ficar "quieto" e evitar "tradings" excessivos, com altos custos de transação. O que não significa, obviamente, se esquecer do mercado e não mudar conforme as condições que afetam os ativos mudam.

Keynes ficou rico investindo na bolsa de valores, sem dúvida. Apesar de ter enriquecido, o dinheiro nunca foi sua prioridade, mas tão só um meio para uma vida bem vivida. Como bem destaca Walsh, "ganhar dinheiro, para Keynes, era uma atividade que deveria ter seu lugar na vida, uma diversão intelectual até, mas nunca ser o fim último e sim um meio para fazer as boas coisas da vida".


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